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Úlcera de córnea: o principal problema da oftalmologia veterinária

A palavra úlcera tem origem do latim ulcus sendo definida pela perda de tecido em qualquer superfície do corpo (pele, mucosas, córnea, etc.) sem tendência para cura espontânea. Desse modo, com a ruptura do epitélio (camada superficial) podemos ter a exposição de camadas mais profundas à área rota. Popularmente as úlceras podem ser denominadas de feridas.
A córnea é o tecido transparente localizado na parte anterior do globo ocular. Além de sua função protetora, nos olhos de nossos pets, funciona como uma lente sobre a íris (parte colorida do olho) direcionando a luz pela pupila na direção da retina. Nos animais esse poder de refração supera a lente intraocular ou cristalino.
Várias propriedades da córnea afetam sua resposta a processos de doença. Por não possuir vasos sanguíneos e sua construção compacta, o processo de cicatrização da córnea tende a ser lenta, crônica e em alguns casos intratáveis quanto ao retorno de suas características originais. Tais fatores muitas vezes levam a estados precários de transparência. Por essas razoes a denominação de lesões na córnea são descritas como úlceras de córnea.
Segundo Dr. Gabriel T. N. M. Ferreira, as úlceras de córnea são o principal problema atendido no consultório de oftalmologia veterinária. Úlceras de córnea superficiais não complicadas cicatrizam com o tratamento clínico e com mínima formação de cicatriz. Úlceras profundas complicadas podem prejudicar a visão e em muitos casos necessitam de intervenção cirúrgica. Em casos muito graves sequelas podem levar a perda do olho por endoftalmite (inflamação/infecção do globo ocular envolvendo estruturas internas), glaucoma (aumento anormal da pressão intraocular e neuropatia óptica) e atrofia do olho (phthisis bulbi).

Causas

Úlceras de córnea podem ser causadas por motivos variados como traumas (brigas, coceira na região dos olhos, produtos químicos, corpos estranhos, ressecamento excessivo), infecções, ceratoconjuntivite seca (doença causada pela diminuição da quantidade ou qualidade da lágrima). Alterações de conformação nas pálpebras (entrópio: inversão das pálpebras, ectrópio: eversão das pálpebras, euribléfaro: abertura palpebral excessiva) e anormalidade ciliares (distiquíase, triquíase e cílio ectópico) também promovem uma maior predisposição para a ocorrência de úlceras.
Pets de raças braquicefálicas (focinho curto) como shih tzu, lhasa apso, buldogues, pequinês, pug, boxer e os gatos persas são as principais raças atendidas, mas qualquer raça pode apresentar o problema. Nos animais braquicefálicos isso acontece devido à exposição excessiva da córnea e a maior ocorrência de alterações palpebrais e ciliares nestas raças. Para um tratamento preciso da úlcera de córnea, o passo mais importante é a determinação da causa e sua remoção.

Sinais clínicos

A dor oftálmica é o principal sinal clínico observado. Um piscar constante e espástico, lacrimejamento, incômodo com a luz e coçar o olho com a pata ou esfregando em superfícies da casa são sinais de dor que devemos ficar atentos. O lacrimejamento em alguns casos pode ser substituído por secreção ocular esbranquiçada à esverdeada (purulenta).
Os olhos ficam vermelhos devido à inflamação secundária e ao aparecimento de vasos sanguíneos. A córnea pode perder a transparência sendo observado aspecto azulado-esbranquiçado devido ao edema e o aparecimento de vasos sanguíneos pode levar ao aspecto vermelho na córnea. Em alguns casos de úlcera observa-se facilmente a irregularidade da córnea ou mesmo uma depressão na superfície.

Tipos de úlcera

As úlceras de córnea são classificadas de acordo com a profundidade da lesão e sua apresentação clínica podendo ser divididas em:

      • Úlcera superficial não complicada (lesão com perda do epitélio e sua membrana basal)
      • Úlcera indolente, erosão recidivante, síndrome da erosão de córnea recorrente (lesão com perda do epitélio devido a alterações na aderência à membrana basal e estroma com bordos soltos, refratárias ao tratamento e podem ser recorrentes. Maior ocorrência em cães de meia idade a idosos).
      • Úlceras estromais superficiais a profundas não complicadas (lesão com perda de até metade do estroma com boa resposta ao tratamento não progredindo a lesão)
      • Úlceras estromais profundas progressivas (lesão com perda de metade do estroma progressiva mesmo com tratamento medicamentoso onde a interversão cirúrgica se faz necessária.
      • Úlceras totais (lesão com perda de três quartos do estroma ou exposição da membrana de descemet onde uma fina camada da córnea evita a perfuração sendo necessária a intervenção cirúrgica de urgência).
      • Perfurações de córnea (perda de todas as camadas da córnea levando a descompressão abrupta dos meios oculares com extravasamento de líquido intraocular podendo levar ao prolapso de íris)

Úlceras em Melting (progressiva dissolução do estroma da córnea associada à alta atividade de enzimas digestivas proteolíticas contribuindo para um rápido derretimento do tecido levando uma progressão extremamente rápida de úlceras de córnea). Úlceras em Melting não é um grupo específico de úlceras, mas uma complicação grave. Tais enzimas são produzidas pelo próprio tecido e por bactérias. Evitar seu aparecimento é um importante objetivo do tratamento.

Diagnóstico

Úlceras de córnea nem sempre são visíveis a olho sem auxílio de aparelho de magnificação. Em um exame oftálmico completo a integridade da córnea é avaliada com o corante tópico fluoresceína. De coloração alaranjada a fluoresceína em contato com a água torna-se verde. Quando sua coloração verde fica retida na córnea, o epitélio está ausente expondo o estroma da córnea, com alta afinidade pela água, e consequentemente, ao corante.
Avaliações oftálmicas complementares são necessárias para o diagnóstico da provável causa como alterações em pálpebras e cílios, alterações na produção e qualidade da lágrima, bem como a presença de fatores complicadores à recuperação. Esta avaliação completa e precisa determina o melhor tratamento e prognóstico da úlcera de córnea.

Tratamento

O tratamento tem como objetivos aliviar a dor, prevenir progressão das úlceras e restaurar o tecido da córnea. A conduta é determinada de acordo com a apresentação clínica da lesão, podendo ser clínica medicamentosa (úlceras superficiais e profundas não complicadas) ou associadas à cirurgia (principalmente em úlceras profundas, totais e nas perfurações). Geralmente, úlceras de córnea superficiais resolvem-se rapidamente, sem complicações. Entretanto, úlceras profundas acometendo o estroma o processo cicatricial pode promover perda da transparência local podendo levar a um déficit visual.
O tratamento deve favorecer um ambiente propício para a cicatrização do tecido, evitando a progressão da lesão e promovendo uma resposta que seja capaz de restaurar a integridade da córnea. Por isso o uso de um só medicamento não é capaz de promover todas as necessidades que a gravidade da úlcera exige. Por isso, vários medicamentos se fazem necessários. Colírios lubrificantes, antibióticos, midriáticos (relaxam a íris), anti-inflamatórios não esteroidais, inibidores de enzimas proteolíticas, imunomoduladores são amplamente usados associados para um melhor resultado terapêutico. Muitas vezes medicações orais são necessárias também pela limitação de penetração dos colírios e pela gravidade do quadro oftálmico.
Os tratamentos cirúrgicos indicados em casos de úlcera de córnea complicada, com risco potencial para perfuração ou nas perfurações objetiva proteger a lesão promovendo um ambiente mais adequado à cicatrização ou até mesmo a reconstrução da superfície da córnea de maneira integral.
Independente da causa, profundidade da lesão, tipo de tratamento clínico ou cirúrgico o uso de colar ou viseiras protetoras é imprescindível, pois os nossos pets não possuem a capacidade de entender o que está acontecendo em seus olhos onde a dor, coceira e o incômodo estimula o auto traumatismo piorando a lesão ou até mesmo perfurando gravemente os olhos.
Reavaliações em intervalos curtos se fazem necessárias para avaliação da progressão do quadro clínico até a alta do paciente. Siga sempre as instruções de seu oftalmologista veterinário. Muito cuidado com as medicações feitas sem critério, pois como exemplo dos corticoides, eles podem agravar as lesões e causar de forma rápida perfurações de córnea.

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